Setores da classe média brasileira concentraram suas expectativas de derrotar o extremismo de direita representado por Jair Bolsonaro (PSL) na figura de Ciro Gomes, candidato presidencial pelo PDT, oriundo de Leonel Brizola.
O terceiro lugar na disputa, atrás do próprio Bolsonaro, o preferido entre os ricos, e de Fernando Haddad (PT), mais votado pelas camadas mais pobres da população, impunha aos pedetistas um posicionamento sobre o segundo turno diante do importante papel desempenhado ao longo do processo eleitoral. Hoje, o primeiro turno é questionado pelo partido, que pede a nulidade do pleito devido à denúncia envolvendo a compra de mensagens anti-PT por empresários pró-Bolsonaro.
Quando muitos integrantes e eleitores da esquerda esperavam o anúncio de uma grande coalizão, o aceno favorável a Haddad veio no tom frio de um apoio crítico, sem nenhum entusiasmo e engajamento da maioria das lideranças do partido na campanha que definirá o próximo presidente brasileiro.
O distanciamento do PDT da candidatura petista foi de alguma maneira sintetizado nas declarações do senador eleito Cid Gomes (PDT) ao exigir do PT uma autocrítica que ainda não teria sido feita na visão do ex-governador cearense e cujo resultado seria a derrota nas urnas em 28 de outubro.
A ausência de Ciro Gomes até o momento no segundo turno e o anúncio do presidente nacional da sigla, Carlos Lupi, assegurando que o presidenciável estará novamente na disputa em 2022 aumentou a temperatura do chamado fogo amigo.
Além de Ciro ter sido ministro da Integração do ex-presidente Lula e manifestado sua contrariedade ao golpe imposto à presidenta Dilma Rousseff (PT), o PDT esteve na maior parte do tempo na base de sustentação das administrações petistas, ocupando inclusive ministérios e postos relevantes no governo.
“Já esperava que Ciro não faria campanha para oHaddad pois ele assumiu uma posição de alternativa à polarização PT, anti-PT, que domina nossa política há um bom tempo. Acredito que isso é coerente com o que ele dizia e faz sentido para preservar-se daqui quatro anos. Ciro sustenta ressalvas necessárias à manutenção de uma esquerda crítica, mas o próprio partido e seus líderes não seguem essa linha em profundidade por serem parte do processo. O que acontece nos estados reflete uma estratégia eleitoral local e não se relaciona à postura do Ciro”, opina Marcos Urich, paulistano que migrará seu voto ao ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad.
Quem se frustrou com a posição no plano nacional teve nova e maior decepção ao analisar os cenários regionais envolvendo a presença de candidatos do PDT a governos estaduais no Norte, Centrooeste e Nordeste. Três dos quatro concorrentes da legenda a manterem-se na disputa decidiram pelo apoio a Bolsonaro a partir da liberação do comando da sigla acerca dos encaminhamentos dos diretórios locais. A exceção é Waldez Góes no Amapá.
O Amazonas comandado pelo pedetista Amazonino Mendes foi um dos lugares nos quais o engajamento se deu de forma mais natural. O PSL integra coligação do governador elegendo inclusive o segundo deputado federal mais votado do estado com 150 mil votos, Delegado Pablo, além do Delegado Péricles para a Assembleia Legislativa.
Ambos devem pertencer a base governista caso o experiente político mantenha-se no cargo a partir de 2019. Ligado historicamente a grupos conservadores, Amazonino passou por diferentes agremiações da direita brasileira, incluindo PP e DEM (ex PFL), apoiando em pleitos passados Fernando Collor, em 1989 e Fernando Henrique Cardoso nos anos 90.
Se no terreno político, Bolsonaro e o negão, como é chamada pelo povo, se aproximam, a agenda econômica do presidenciável pode prejudicar de maneira definitiva o polo industrial de Manaus ao repetir as políticas de Michel Temer (PMDB) para a área.
Nos últimos anos, a crise fez com que o número de trabalhadores do complexo fosse reduzido a metade, 80 mil dos 160 mil que já preencheram vagas no setor, responsável por quase 90% da economia local. Discussões sobre o afrouxamento das licenças ambientais, as críticas ao trabalho do Ibama e da Funai e a possibilidade de aumento do índices de desmatamento da Amazônia advindas com as posições da bancada do PSL, estreitamente afinada com os ruralistas, são ignoradas pelas duas campanhas que permanecem na disputa.
Único parlamentar eleito no estado pelo PDT, o deputado estadual Adjuto Afonso acredita que o futuro do segmento independe do próximo eleito no âmbito nacional.
“A zona franca é garantida pela constituição, trata-se de uma área de incentivo, prorrogada por 50 anos. Ambos candidatos já disseram-se favoráveis ao nosso polo industrial, fundamental para os 4 milhões de habitantes que vivem por aqui, a maioria na capital Manaus”, ressalta, defendendo a trajetória de Amazonino em comparação ao novato Wilson Lima (PSC), jornalista que tenta na sua primeira eleição chegar ao governo e também apoiador de Jair Bolsonaro.
Ainda na região norte, chama a atenção a postura do governador e candidato à reeleição Waldez Goes (PDT). O chefe do executivo esteve na comitiva dos governadores que tentou visitar o ex-presidente Lula em Curitiba na Polícia Federal meses atrás, mas preferiu pelo silêncio no segundo turno, ainda que em sua coligação tenha a presença do PCdoB, aliado de longa data dos governos federais do PT.
O estado é um dos poucos em que Fernando Haddad e Manuela D’ávila tem palanque garantido com a passagem do senador João Capiberipe (PSB) à continuidade da eleição.
“Meu compromisso de apoio ao PT, já demonstrado em ocasiões anteriores e agora reiterado, vai além do primeiro turno, no sentido de garantirmos a vitória de uma candidatura de esquerda no Brasil, para que voltemos a governar o País e retomemos o desenvolvimento socioeconômico que beneficiou, como nunca, a nossa região Norte”, afirmava comunicado assinado pelo governador e presidente local do PDT no final de julho deste ano.
Diferentemente do que ocorre no restante do país, o local não possui um espaço oficial de Bolsonaro já que seus aliados estão fora da eleição amapaense mesmo com a liderança do presidenciável com 166 mil votos ou 40,7%, ante 32,7% de Haddad, no dia 07 de outubro. “Waldez participou de um ato quando ainda era candidatura do presidente Lula que se apresentava, fez esses movimentos em direção ao PT, mas agora esta em silêncio, sobe em cima do muro por questão de tática eleitoral. Nós desde a convenção do PSB, quando o partido optou pela neutralidade, confirmamos nosso apoio desde o primeiro momento”, compara Camilo Capiberibe (PSB), eleito deputado federal.
“Capiberibe e Waldez possuem uma trajetória comum no nascedouro e ambos os grupos revezaram-se no poder depois da democracia. Nesse período de terra arrasada, o governador demonstrou capacidade administrativa mantendo o investimento, a prestação de serviços públicos e nas crises acentuadas reafirmou seu compromisso político, por isso o PCdoB apoia o mandato alinhado à esquerda no plano nacional”, comenta a deputada federal reeleita, Professora Marcivânia (PCdoB).
A confirmação do centro oeste e a surpresa do nordeste
A decisão mais surpreendente dentre os candidatos pedetistas se situa no Rio Grande do Norte. Segundo colocado no enfrentamento com a senadora e candidata ao executivo Fátima Bezerra (PT), o ex-prefeito de Natal Carlos Eduardo Alves (PDT) incorporou o discurso que apregoa o afastamento do PT dos espaços de poder como estratégia para tentar a virada contra sua adversária.
Na capital, o pedetista e Jair Bolsonaro saíram-se vitoriosos no primeiro turno, mas no cômputo geral do estado as candidaturas petistas de Fátima e Haddad prevalecem.
A associação a pautas reacionárias contraria parte da militância e o próprio passado de Alves apontado como um perfil progressista dentre as oligarquias potiguares que sempre dominaram a cena política.
“Lamento no estado e nos demais locais pelos que foram para o extremismo. A candidatura de Bolsonaro não combina em nada com o que o PDT defende e coloca em seus programas de governo. Eu, vereadora em terceiro mandato, não fui ouvida por nenhum dirigente para falar da minha posição em relação a essa aliança e não me sinto representada por essa definição. Causou estranheza Carlos Eduardo tenta se associar à onda que tomou conta do país, não dá para saber como o eleitorado reagiu”, afirma a vereadora de Natal, Julia Arruda (PDT), cujo pai participou da fundação da legenda no Rio Grande do Norte.
Dentre os nomes a que Alves se associa a partir de seu posicionamento aparece o do general Girão Monteiro (PSL), eleito pelos potiguares para a Câmara Federal com a segunda votação dentre os concorrentes. O militar defende que o ex-presidente Lula seja levado a um presídio comum, sugeriu a destituição e prisão de ministros do STF que, em sua visão, são coniventes com os desvios e classifica na condição de terrorismo as ações promovidas por coletivos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).
“O crescimento do PT e sua ascensão foi acompanhada por uma proporcional decadência do PDT anos atrás. As eleições de 2018 marcaram um possível ressurgimento do protagonismo trabalhista no cenário nacional. Parcela do campo progressista desiludida com governos anteriores colocou suas fichas no projeto de Ciro. Resta saber se o PDT será capaz de manter e expandir esse capital político para as próximas eleições. Para quem ambiciona um projeto de médio prazo de chegada ao poder encarnando a superação do projeto petista, as crises terão de ser vencidas para marcar posição em um cenário político conturbado. Os questionamentos já começaram”, avalia Diogo Schimidt, sociólogo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, um dos principais berços do brizolismo.
Em Mato Grosso do Sul, no centro oeste, a adesão do juiz Odilon (PDT) a Bolsonaro liga-se especialmente à pauta da moralidade. Entusiasta da operação Lava Jato, o recém filiado à sigla cresceu na esteira do tema da honestidade, apresentado-se como um cumpridor da lei de passado limpo, em contraste com a cúpula política que acumula escândalos cujos casos mais famosos envolvem as denúncias de corrupção contra o ex-senador Delcídio do Amaral, atualmente no PTC e o ex-governador peemedebista Andre Puccinelli.
Em sua primeira candidatura, o magistrado aponta semelhanças entre suas propostas e as do capitão do exército, mas acredita na atração dos votos petistas e de todo campo progressista por enfrentar o tucano Reinaldo Azambuja, postulante à reeleição e mais um cabo eleitoral do presidenciável.
“Bolsonaro teve uma votação muito expressiva no Brasil e muitos pontos do meu programa coincidem com os dele na área social, da segurança, da saúde. Temos diferença, mas a essência de nossos projetos é parecida. Parte grande dos eleitores do PT nos apoiarão pois eles não votam no PSDB por tradição, o apoio ao PSL não vai truncar essa transferência, o povo quer acabar com a corrupção”, aposta o candidato.
Sem palanque estadual para a campanha de Haddad, o deputado federal reeleito pelo PT Vander Loubet coloca parte das ações para amenizar a dificuldade na região em que o agronegócio mostra sempre muita força. “A circunstância nos obriga a ter capacidade para construir frentes nos municípios, inclusive com apoiadores dos dois candidatos a governador que não aceitam o autoritarismo, dessa forma fugimos do isolamento. Há, por exemplo, antigos brizolistas que não aceitam essa direção”.
Para além do convencimento dos companheiros de partido, o juiz aposentado terá de crescer para superar seu oponente, líder no turno inicial com vantagem de mais de 150 mil votos. Odilon faz parte de uma leva de representantes do judiciário que demonstraram que a tão falada judicialização da política nos tribunais chegou às urnas.
Enquadram-se nesse mesmo perfil a senadora eleita Juíza Selma Arruda (PSL) no vizinho Mato Grosso e a passagem ao segundo turno do Juiz Wilson Witzel (PSC) no Rio de Janeiro – a identificação entre a parcela significativa da poderosa categoria e Bolsonaro denota uma vez mais a aliança do candidato do PSL junto aos setores privilegiados da vida nacional.
No Rio de Janeiro, aliás, para não deixar o sudeste de fora, terra que teve os pedetistas Leonel Brizola e Darcy Ribeiro como governador e vice, o candidato do PDT ao governo do estado acrescentou um dissabor aos defensores do legado do passado.
Contrariando decisão interna, Pedro Fernandes derrotado no primeiro turno com apenas 6% dos votos, anunciou apoio a Witzel, enquanto o PDT fluminense defende a eleição de Eduardo Paes (DEM) e de Fernando Haddad. Os filhotes da ditadura apontados por Brizola parecem estar espalhados na nova geração do povo brasileiro, descrito por Darcy.
“A democracia custou muito caro para gente . Estamos na iminência desse câncer que está prestes a devorar o país. A candidatura de Bolsonaro representa o aplauso ao golpe militar de 1964. Não posso compactuar com isso, meu compromisso, aprendi com meu avô, é com o povo e por isso voto em Haddad e Manuela”, defende o vereador da capital fluminense, Leonel Brizola Neto, ex-pedetista filiado ao Psol.
Fonte: Carta
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