Trancafiada em seu quarto, com a luz apagada, ora sentada, ora deitada, Juvita impulsiona, como pode, a força das retinas para buscar a imagem que se projeta luminosamente pela janela retangular que segura com as duas mãos. Os movimentos com os polegares são rápidos, o ocular, também. As mensagens, por muitas vezes difusas, desafiam a velocidade do pensamento, o espaço que separa o toque das pestanas. Pelos ouvidos, chegam ruídos enlarguecidos, esticados, a pressionar os tímpanos que se contraem, se contorcem e se esmagam em dor.
Os livros da estante, já empoeirados, dormem esquecidos o sono profundo da inércia. Já não são desejosos, já não são procurados para dizerem nada. Se postam na idade dos mortos, das pastagens ralas, no leito vazio dos rios. A luz que caminha lá fora se acomoda no retângulo luminoso que Juvita segura entre as mãos. Seus pais não passam de figuras alegóricas, suspensas por suas próprias fraquezas, flutuam sem gravidade. Suas amigas estão sempre ao seu dispor, sorriem sempre e sempre sorriem. Os dias vivem de gargalhadas, gargalhadas e mais, muito mais gargalhadas.
Juvita não deseja mais ir à escola, diz que a mesma é um saco e que detesta tudo o que tem por lá. No colchão da cama, estirada ou encolhida, devora biscoitos recheados, pipocas, queijos, mortadelas, salsichas, pães amanteigados. Por lá mesmo deixa também as embalagens. Apenas as retinas, o toque das pestanas e os polegares se movem pelas noites e as gargalhadas, os ruídos estalam em açoites.
Entrar no quarto, assim como Juvita, já não é tão difícil. Todos possuem a chave. Num toque, as luzes se apagam para clarear seus desejos imediatos, seus sorrisos e os abraços que lhe convém, as provocações e os insultos que lhe convém. Aqui, o mundo é dela, é ela quem define onde pisa, é ela quem dita às regras do xadrez. É ela quem embaralha, escolhe e distribui as cartas. Só ela e mais ninguém.
A janela iluminada já não é mais uma simples abertura, ela é uma porta que inunda os sentidos, adormece a alma e esquarteja o corpo. O negrume do quarto já não deseja a contradição. Ele, por si só, é o elemento essencial para postar-se de joelhos no fundo da caverna profunda onde habitam mamíferos voadores. A caverna agora é a sua casa. O seu porto seguro. Ela é tudo aquilo que um dia sonhou e pediu a Deus. A vida de Juvita está completa. Nada mais lhe interessa. Somente comer, beber e produzir o alimento para garantir a vivência dos mamíferos voadores, que dormem de cabeça para baixo.
Francisco de Assis Sousa é professor e cronista. E-mail: frassis88@hotmail.com
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