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Bolsonaro tira poder de Guedes para Ciro Nogueira honrar acordo de emendas do centrão

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A decisão do presidente Jair Bolsonaro (PL) de dar poder à Casa Civil na execução do Orçamento de 2022 é vista dentro do governo como forma de criar um “filtro político” para assegurar o cumprimento de acordos envolvendo distribuição de recursos, inclusive emendas parlamentares.

Como revelou o jornal Folha de S.Pauo, a pasta comandada por Ciro Nogueira (PP), cacique do centrão, precisará a partir de agora dar aval prévio a mudanças feitas no Orçamento. A alteração tem sido interpretada como perda de poder do ministro da Economia, Paulo Guedes, antes o único responsável pela tarefa.

A medida chega no ano em que Bolsonaro pretende buscar a reeleição e vem logo após o episódio de falta de verbas no fim de 2021 para honrar emendas negociadas com congressistas. O corte dos recursos despertou a ira dos congressistas e acirrou os ânimos entre a Economia e a ala política do governo.

A decisão de deixar a caneta também nas mãos de Nogueira coloca um expoente do centrão, bloco de partidos que dá sustentação política ao presidente, em um posto privilegiado para definir como o dinheiro federal será gasto.

O objetivo, segundo interlocutores do governo, é assegurar que os acordos selados entre o Planalto e o Congresso Nacional sejam cumpridos, ao mesmo tempo em que eles deverão caber no espaço disponível para despesas.

Além disso, o governo quer evitar que ministros tenham incentivo para fazer negociações paralelas com o Congresso, turbinando despesas de sua pasta ainda que isso signifique contemplar redutos de parlamentares opositores ao governo.

No radar dos defensores da medida está um possível uso desses “acordos paralelos” para impulsionar a imagem de políticos que hoje ocupam cargos do Executivo e pretendem concorrer a cargo eletivo em 2022.

Na avaliação desses interlocutores, esses acertos —que seriam desconhecidos até mesmo da Casa Civil— contribuem para alçar as chamadas emendas de relator a valores acima do que foi acertado com o governo e do que o Orçamento comporta.

As emendas de relator são um instrumento usado por parlamentares para turbinar os recursos distribuídos às suas bases eleitorais.

O maior exemplo dessa “desconexão” seria o Orçamento de 2021, aprovado com mais de R$ 30 bilhões em emendas de relator, enquanto o valor acertado seria de R$ 16 bilhões.

Na ocasião, o Ministério da Economia pediu um veto de quase R$ 20 bilhões. Congressistas reagiram pedindo a cabeça de dois integrantes da equipe de Guedes, Waldery Rodrigues (Fazenda) e George Soares (Orçamento), que acabaram deixando os cargos.

Hoje, Nogueira e Guedes integram a JEO (Junta de Execução Orçamentária), responsável por decisões mais amplas, como o valor total a ser gasto por um ministério. Agora, a Casa Civil deverá dar parecer favorável a mudanças em cada linha de despesa do Orçamento.

Desde a quinta-feira (13), quando a Folha de S.Paulo revelou a mudança, técnicos tentam minimizar sua repercussão, embora admitam que ela pode ser interpretada como uma perda de poder da Economia nas decisões orçamentárias.

Nos bastidores, fontes do governo trabalham para afastar essa imagem e afirmam que o Ministério da Economia participou das discussões sobre a medida, que vem sendo costurada há dois meses.

O discurso é o de que o fortalecimento da Casa Civil nas decisões orçamentárias é um caminho natural após a junção das áreas de Orçamento, que cuida da programação das despesas e pertencia ao extinto Ministério do Planejamento, e do Tesouro, que é responsável pelo caixa do governo e integrava o Ministério da Fazenda. Agora, seria a incorporação do braço político às decisões de Orçamento.

O próprio ministro da Economia, porém, já reconheceu publicamente, em diferentes ocasiões, que o apoio de Bolsonaro à sua agenda, inicialmente em 100%, agora está menor.

Em setembro de 2021, Guedes disse que, com a atuação do componente político, o governo estava 60% na direção certa. Mais recentemente, essa classificação nos bastidores já caiu mais, quase rompendo a barreira dos 50%.

Interlocutores do governo afirmam ainda que, no modelo anterior, a Economia assumia sozinha o desgaste político de pedir o corte de recursos. Agora, a Casa Civil vai participar da decisão e dividir o ônus das escolhas. Hoje, o alvo preferencial das críticas é a equipe econômica.

Além disso, a pasta de Nogueira será envolvida na análise para verificar se, do ponto de vista político, os recursos estão irrigando as ações previamente acertadas com o comando do governo.

A falta de verba para emendas no fim do ano passado, por exemplo, deflagrou uma crise com o Republicanos, um dos partidos da base aliada do governo. Parlamentares esperavam receber R$ 600 milhões, mas os recursos não foram liberados pela Economia.

A execução das emendas foi justamente o epicentro da briga, que levou à fritura da ministra-chefe da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, que havia empenhado sua palavra de que os pagamentos seriam realizados.

Agora, com a prerrogativa de dar ou não aval prévio, a Casa Civil terá o poder para definir detalhes, como quais ações dentro das pastas deverão ser priorizadas na distribuição dos recursos.

A pasta de Nogueira também passa a ter maior controle sobre as mudanças solicitadas pelo Congresso na execução das chamadas emendas de relator. Hoje, essas alterações ficam concentradas nas mãos da Economia.

Nos três anos anteriores da gestão Bolsonaro, apenas o Ministério da Economia ficava responsável pelas medidas de execução dos gastos, como costuma ser a praxe nesses casos.

Técnicos da área econômica admitem desconhecer precedentes da participação da Casa Civil nessa etapa, que envolve detalhes operacionais, além da alocação de limites financeiros e recursos nos ministérios.

Entre 2019 e 2021, o decreto, editado anualmente, dava somente a Guedes competência para fazer alterações operacionais. Há a expectativa, porém, que o ingresso da Casa Civil nessa etapa possa trazer uma “visão de governo” para a fase de execução.

Já a definição dos limites fiscais, para assegurar o cumprimento de regras como o teto de gastos (que limita o avanço das despesas à inflação) e a meta de resultado primário (que resulta da diferença entre arrecadação e gastos), seguirá sendo dada pela Economia, afirmou uma fonte do governo.

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PODER COMPARTILHADO SOBRE O ORÇAMENTO

COMO ERA ANTES?

Entre 2019 e 2021, o presidente Jair Bolsonaro delegou ao ministro da Economia, Paulo Guedes, a responsabilidade por atos referentes à execução do Orçamento, como remanejamentos e definições de quais ações receberiam recursos.

No fim do ano passado, por exemplo, a JEO (Junta de Execução Orçamentária) definiu um limite de R$ 3,6 bilhões para o pagamento de dívidas com organismos internacionais, mas a decisão de quais instituições receberiam o dinheiro foi tomada pela Economia.

Outros ministérios podiam também solicitar remanejamentos de uma ação para outra, dentro da própria pasta, conforme a disponibilidade e a necessidade. Cabia à equipe econômica editar os atos para executar essas alterações.

COMO FICA COM O DECRETO?

A Casa Civil precisará dar aval prévio às decisões de execução orçamentária. Na prática, a pasta comandada por Ciro Nogueira (PP), um dos caciques do centrão, terá o poder de aprovar ou não mudanças nos gastos dos ministérios, nos mínimos detalhes.

Nogueira poderá, por exemplo, opinar sobre quais ações dentro das pastas deverão ser priorizadas na distribuição dos recursos. O ministro, que também integra a JEO, hoje só participa de decisões mais amplas, como valores totais a serem gastos por cada pasta.

O QUE A MUDANÇA REPRESENTA?

Interlocutores do governo afirmam que o decreto insere um “filtro político” no Orçamento, para garantir que acordos firmados com o Congresso sejam honrados. Técnicos admitem que a mudança pode ser interpretada como perda de poder de Guedes, embora interlocutores do ministro busquem afastar essa imagem.

Por Folhapress

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