O ministro Milton Ribeiro (Educação) elaborou uma carta de demissão do cargo nesta segunda-feira (28), dizem auxiliares do Palácio do Planalto, para tentar reduzir o desgaste do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). A carta seria entregue nesta tarde no Palácio do Planalto.
Ribeiro se tornou alvo de grande pressão após a revelação de indícios de um esquema informal de obtenção de verbas envolvendo dois pastores sem cargo público.
Prefeitos apontam que uma espécie de balcão de negócios no MEC seria operado pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, ligados a Bolsonaro, e priorizava a liberação de valores para gestores próximos a eles e a prefeituras indicadas pelo centrão, bloco político de sustentação ao governo.
Na carta que circula na tarde desta segunda entre integrantes do governo, do MEC e da bancada evangélica, Milton Ribeiro afirma que jamais realizou “um único ato de gestão” que não fosse pautado pela correção e disse que solicitou a Bolsonaro a sua exoneração para que não paire nenhuma incerteza sobre a sua conduta ou à do governo.
“Tomo esta iniciativa com o coração partido, de um inocente que quer mostrar a todo o custo a verdade das coisas, porém que sabe que a verdade requer tempo. Sei de minha responsabilidade política, que muito se difere da jurídica”, afirmou, acrescentando que depois que provar sua inocência estará de volta para continuar a ajudar Bolsonaro.
“Não me despedirei, direi um até breve, pois depois de demonstrada minha inocência estarei de volta, para ajudar meu país e o presidente Bolsonaro na sua difícil, mas vitoriosa caminhada”, escreveu o ministro, encerrando a carta com o bordão de campanha de Bolsonaro, “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
Interlocutores relataram à reportagem que o ministro inicialmente havia discutido uma licença do posto para se concentrar em sua defesa. Mas interlocutores destacaram que não havia justificativa para que o ministro apresentasse uma licença e que, portanto, haveria a exonerado.
Com a provável saída de Ribeiro, o MEC deve ficar sob o comando do secretário-executivo, Victor Godoy Veiga. Mas aliados do centrão já cobiçam o cargo.
Na última quinta-feira (24), Bolsonaro disse que ‘bota a cara no fogo’ por Ribeiro, que é evangélico e pastor, mas diante das recentes revelações perdeu o apoio até mesmo de integrantes da bancada evangélica no Congresso.
A situação do ministro se agravou na segunda-feira da semana passada, após a revelação pelo jornal Folha de S.Paulo de áudio em que Milton Ribeiro afirma que o governo prioriza prefeituras cujos pedidos de liberação de verba foram negociados pelos pastores Gilmar e Arilton.
Na gravação, o ministro diz ainda que isso atende a uma solicitação de Bolsonaro e menciona pedidos de apoio que seriam supostamente direcionados para construção de igrejas. A atuação dos pastores junto ao MEC foi revelada anteriormente pelo jornal O Estado de S. Paulo.
“Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar”, diz o ministro na conversa obtida pela Folha em que participaram prefeitos e os dois religiosos.
Em seguida, o prefeito Gilberto Braga (PSDB), do município maranhense de Luis Domingues, afirmou que um dos pastores que negociam transferências de recursos federais para prefeituras pediu 1 kg de ouro para conseguir liberar verbas de obras de educação para a cidade.
A declaração do prefeito foi dada ao jornal O Estado de S. Paulo, e a Folha de S.Paulo confirmou com outras duas pessoas presentes no local onde o pedido de propina foi feito.
Já na sexta-feira, em entrevista à Folha de S.Paulo, o prefeito de Piracicaba (SP), Luciano Almeida (União Brasil), disse que recebeu um pedido de dinheiro para que o município abrigasse um evento com a presença do ministro Milton Ribeiro em agosto de 2021.
O gestor municipal afirma que se recusou a fazer o pagamento e que o encontro acabou não se concretizando. A Folha ouviu de dois servidores do alto escalão do MEC que os pastores com supostos privilégios dentro da pasta estariam à frente dessa negociação.
Os pastores Gilmar e Arilton têm, ao menos desde janeiro de 2021, negociado com prefeituras a liberação de recursos federais para obras de creches, escolas, quadras ou para compra de equipamentos de tecnologia.
Os dois pastores têm proximidade com Bolsonaro desde o primeiro ano do governo. A atuação dos pastores junto ao MEC foi revelada anteriormente pelo jornal O Estado de S. Paulo.
?Na semana passada, Ribeiro negou em nota ter determinado alocação de recursos para favorecer qualquer município. Ele afirmou ainda que Bolsonaro não teria pedido para que os pleitos dos pastores fossem atendidos, mas somente que todos os indicados por eles fossem atendidos.
As revelações a respeito do balcão de negócio do MEC resultaram na instauração de apurações. A Polícia Federal abriu na sexta-feira (25) dois inquéritos que miram a atuação dos pastores na liberação de verbas do ministério.
O primeiro deles foi aberto na Superintendência da PF no Distrito Federal e irá apurar as suspeitas apontadas em um relatório da Controladoria-Geral da União sobre distribuições de verbas do FNDE (Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação).
O FNDE é um órgão ligado ao MEC controlado
por políticos do centrão, bloco político que dá sustentação a Bolsonaro desde que ele se viu ameaçado por uma série de pedidos de impeachment e recorreu a esse apoio em troca de cargos e repasses de verbas federais. O fundo concentra os recursos federais destinados a transferências para municípios.
A outra investigação foi instaurada na sede do órgão, no setor que cuida de inquéritos que tramitam no STF (Supremo Tribunal Federal), e tem como alvo o ministro Milton Ribeiro e a fala dele em áudio revelado pela Folha de S.Paulo.
No caso do ministro, serão apuradas suspeitas de corrupção passiva, tráfico de influência, prevaricação e advocacia administrativa.
O inquérito que mira Ribeiro foi autorizado pela ministra Cármen Lúcia, do STF, e atendeu a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras.
Além do flanco jurídico, o caso envolvendo Ribeiro e os pastores tem potencial de prejudicar a campanha pela reeleição de Bolsonaro. Pessoas próximas ao presidente chegaram a aconselhá-lo desde que o caso eclodiu a demitir o ministro da Educação, justamente para evitar o desgaste político.
Bolsonaro, no entanto, resistiu a demitir o auxiliar. O principal argumento da ala que defende a demissão -ou ao menos o afastamento- do ministro é que as suspeitas abalam o discurso repetido à exaustação por Bolsonaro de que ele comanda um governo sem corrupção.
Fonte: Folhapress
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