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Lula derrota Bolsonaro e é o primeiro a ser eleito presidente pela 3ª vez

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está eleito presidente da República pela terceira vez. O petista superou o presidente Jair Bolsonaro (PL), sem possibilidade de reversão. Esta é a quinta eleição do PT para a chefia do país —sempre em segundo turno— e a primeira vez que um presidente no exercício do mandato perde a reeleição.

Lula teve numericamente a maior votação da história —o recorde anterior era dele mesmo, em 2006, com 58.295.042 votos. O petista acompanhou a apuração em casa e deve ir para um hotel próximo à avenida Paulista, região central de São Paulo. Bolsonaro está em Brasília.

O petista é o primeiro a ser eleito presidente da República pelo voto direto três vezes —antes, venceu em 2002 e 2006. Rodrigues Alves (1902 e 1918), Fernando Henrique Cardoso (1994 e 1998) e Dilma Rousseff (2010 e 2014) venceram duas vezes —Getúlio Vargas foi eleito indiretamente em 1934 e pelo voto direto em 1950.

Lula volta ao Planalto três anos depois de deixar a prisão em Curitiba, onde foi condenado pela Justiça após investigações da Operação Lava Jato. A sentença, referendada em segunda instância, tirou do petista seus direitos políticos e a chance de disputar a eleição de 2018 —à época, ele liderava as pesquisas de intenção de voto.

Em 2021, as decisões tomadas pelo ex-juiz Sergio Moro (União Brasil) foram anuladas pelo STF (Supremo Tribunal Federal) —o que abriu a possibilidade de Lula concorrer novamente.

Em 2019, Moro tornou-se ministro da Justiça de Bolsonaro. Deixou o governo no ano seguinte e acusou o presidente de interferir na Polícia Federal. Mas os dois reataram nas últimas semanas —senador eleito pelo Paraná, Moro apareceu ao lado de Bolsonaro em debates do segundo turno e, segundo a campanha, ajudou o então candidato à reeleição a se munir de informações contra o petista.

A frente que veio. O PT costurou uma coligação com nove partidos —a maior em torno do nome de Lula nas corridas ao Planalto desde 1989.

A tentativa de “união entre divergentes para vencer os antagônicos”, como Lula repetiu, é um esforço petista desde o fim do ano passado, quando a aliança com Geraldo Alckmin (PSB), vice na chapa, foi consolidada e tornou-se o assunto mais importante e polêmico do período pré-eleitoral.

No segundo turno, o grupo ganhou apoios de peso, como os do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), da candidata derrotada do MDB, Simone Tebet, e de João Amoêdo (Novo).

Embora as promessas de recuperação do emprego, do salário e redução da miséria tenham permeado a campanha petista, foi o clima de união contra Bolsonaro que agregou mais apoios a Lula.

Se o elo entre tantos antigos adversários era desprezado e até debochado por bolsonaristas, politicamente, petistas veem essa mistura política como argumento fundamental em torno de Lula neste segundo turno.

Palco cheio. A união de forças divergentes foi a grande atração de um evento na PUC-SP, zona oeste de São Paulo, na última segunda-feira (24). Em ato organizado pelo grupo Prerrogativas —que reúne advogados, juristas e acadêmicos progressistas—, o então candidato subiu ao palco ao lado desta frente ampla que ia verdadeiramente da direita democrática à esquerda.

  • Lula segurava a mão da senadora Simone Tebet (MDB-MS), que entrou de cabeça na campanha petista.
  • Atrás dos dois, as ex-ministras lulistas (e desafetos havia pouco tempo) Marina Silva (Rede) e Marta Suplicy (sem partido) e o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles (União Brasil).
  • O ex-senador José Aníbal (PSDB-SP) e o economista Pérsio Arida, um dos pais do Plano Real, representavam o legado tucano.
  • Em dado momento, todos aplaudiram a declaração pública de apoio do ex-presidente José Sarney (MDB).

Banho de água fria. A vitória no segundo turno vem depois de um dos momentos mais tensos dessa trajetória —a apuração do dia 2 de outubro. Embora siga não admitindo publicamente, a expectativa petista era de vitória em primeiro turno, tanto que o partido reservou a avenida Paulista para comemoração no início do mês, mas não para hoje.

Depois do resultado, os petistas defendiam que a eleição não foi definida no primeiro turno por 1,5 ponto percentual dos votos válidos. No placar geral, Lula teve 48,43% dos votos contra 43,2% de Bolsonaro, uma diferença numérica de pouco mais de 6 milhões de votos.

Internamente, no entanto, o clima era de apreensão. O voto bolsonarista, que eles esperavam ser uma marolinha, acabou virando uma onda no Sudeste, onde só venceram em Minas Gerais.

Os trackings internos, admitem hoje os petistas, mostravam a diferença de cinco pontos no resultado do primeiro turno, mas havia uma expectativa que o ex-presidente fosse melhor em São Paulo e no Rio de Janeiro —onde ele acabou perdendo naquela ocasião. A forte votação de candidatos bolsonaristas nesses estados, a diferença de votos entre Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Fernando Haddad e na quantidade de votos no astronauta Marcos Pontes (PL) ao Senado, deixavam claro que o trajeto seria mais difícil que o esperado.

Os petistas passaram uma semana de luto, articulando apoios, até voltarem a rodar o país com o que chamaram de caminhadas —enquanto Lula seguia o percurso em cima de uma caminhonete, o público andava ao lado, até chegar a um trio elétrico onde ele discursava.

O investimento nesse tipo de cortejo se mostrou frutífero. O número expressivo de apoiadores gerou fotos imponentes para as redes sociais que serviram, na avaliação petista, para passar uma mensagem de força —para eles, se a expectativa era vencer no primeiro turno, haveria eleitor o bastante para consolidar no segundo.

Somado a isso, a campanha também intensificou a atuação online. Espaço em que Bolsonaro ganhava com folga, o meio das lives, podcasts de influenciadores com grande audiência e redes sociais se tornou central na campanha petista, de olho na massificação das mensagens, no combate às fake news e na utilização de polêmicas contra Bolsonaro —tudo isso com um empurrão do deputado André Janones (Avante-MG).

Janones palpitou na campanha e voltou seus perfis particulares nas redes para o que ele chama de “guerra de narrativa” ou “combater o bolsonarismo com o próprio veneno”. Levantou polêmicas, criticou os adversários, viralizou conteúdos contra Bolsonaro e a favor de Lula.

Na reta final, a campanha conseguiu, finalmente, alinhar o corpo a corpo de Lula —seu principal trunfo desde as greves do fim dos anos 1970, quando se tornou um líder sindical de alcance internacional— aos novos tempos, com a imprescindível presença online que a campanha oponente conseguiu dominar com maestria durante mais de quatro anos.

Blitze da PRF. Os petistas não esperavam que este domingo, 30 de outubro, fosse tranquilo. Mas se preocuparam quando começaram a receber vídeos de operações da PRF (Polícia Rodoviária Federal) que pararam ônibus que levavam eleitores —especialmente no Nordeste, região em que Lula ganhou em todos os estados no primeiro turno.

A presidente do partido, Gleisi Hoffmann, minutos após o fechamento das urnas chamou as operações de “criminosas”. O prefeito de Araraquara, Edinho Silva, coordenador de comunicação da campanha lulista, classificou de “desespero bolsonarista”.

O PT chegou a pedir ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) prorrogação do horário de votação —mas não foi atendido. O presidente da Corte, Alexandre de Moraes, afirmou que as blitze “em nenhum caso impediram a votação” e que foi determinado que as polícias interrompessem as ações.

Amanhã vai ser outro dia? Não foi uma trajetória tão fácil quanto a campanha esperava —nem será agora. Embora soubessem que disputar o Planalto com um presidente em exercício, com controle da máquina, e o apoio irrestrito de uma parcela de cerca de 20% a 30% do eleitorado, os petistas deixam claro que o processo eleitoral foi turbulento.

Na semana seguinte ao primeiro turno, o presidente Bolsonaro anunciou a inclusão de mais 500 mil beneficiários do Auxílio Brasil e a antecipação dos pagamentos para outra parcela —medidas que acenderam um alerta dentro da campanha petista, que passou a chamá-las de “a maior compra de votos da história do Brasil”.

Em discurso recorrente, Lula falava sobre intenções eleitorais de Bolsonaro ao “disponibilizar o auxílio só até dezembro” e tentava lembrar o eleitor que ele próprio foi o “pai” do Bolsa Família —um dos projetos mais bem-sucedidos de seu governo.

Se, aparentemente, a estratégia funcionou, agora os petistas sabem que devem enfrentar um país mais dividido do que propagavam.

Com a vitória, a promessa de “país unificado” se torna um desafio real e um pouco mais complicado. No Congresso, por exemplo, nomes de peso do bolsonarismo foram eleitos tanto na Câmara quanto no Senado, como ex-ministros e aliados de Bolsonaro.

Lula repetiu durante toda a campanha que pretende unir o país, incluindo os bolsonaristas, citando a frase de “juntar os divergentes”. O desafio é saber como vai reagir, daqui para frente, quem foi até o fim com Bolsonaro. Os antagônicos vencidos, agora, precisam ser governados.

A trajetória de Lula

Sindicalista, candidato, presidente. Lula ganhou notoriedade no movimento sindical e disputou sua primeira eleição em 1982 para o governo de São Paulo —ficou em quarto lugar.

Foi eleito deputado federal em 1986 e cumpriu o mandato até 1991. Em 1989, foi candidato à Presidência da República pela primeira vez e perdeu para Fernando Collor de Mello (então PRN). Também concorreu em 1994 e 1998 —quando Fernando Henrique Cardoso (PSDB) ganhou.

Em 2002, foi eleito ao Planalto pela primeira vez e, quatro anos depois, reeleito. Deixou a presidência em 2010, com aprovação de mais de 80% —e conseguiu eleger sua sucessora, Dilma Rousseff (PT).

Da prisão…Lula foi preso em 7 de abril de 2018, quando se entregou à Polícia Federal em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo —a prisão foi determinada a partir de decisão colegiada em segunda instância pelo TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região).

Posteriormente, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) estabeleceu a condenação pela Lava Jato em oito anos, dez meses e 20 dias de prisão por supostamente aceitar a propriedade de um tríplex, no Guarujá (SP), como propina paga pela empreiteira OAS em troca de um contrato com a Petrobras —o que ele sempre negou.

Lula ficou em uma cela especial da Superintendência da PF, em Curitiba, num espaço de 15 metros quadrados, isolado de outros presos, que foi reformado para recebê-lo. Lá, fazia exercícios diários com acompanhamento de personal trainer e lia. Podia receber visitas, mas só foi autorizado a dar entrevistas à imprensa depois das eleições de 2018.

No período, perdeu o irmão mais velho, Vavá, em janeiro de 2019, e o neto, Arthur, 7, em março do mesmo ano. Só foi autorizado a ir ao enterro do neto. Do lado de fora, montou-se um vigília onde apoiadores se reuniam para enviar mensagens por carta e megafone. O grupo tinha Janja da Silva, que tornou-se sua esposa, como uma das principais articuladoras.

Em 2018, à frente nas pesquisas, Lula seguiu indicado como candidato do PT ao Planalto até setembro, quando o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) rejeitou o registro da candidatura. O partido lançou, então, o candidato a vice, Fernando Haddad, derrotado por Bolsonaro (então no PSL) no segundo turno.

Foram 580 dias na prisão. Lula foi solto em novembro de 2019, após o STF retomar entendimento de que o réu só pode cumprir pena depois de esgotados todos os recursos e vetar a prisão após segunda instância por seis votos a cinco.

….ao Planalto. Mesmo após a soltura, Lula continuava inelegível. Em junho de 2021, o STF decidiu pela suspeição de Moro no processo do tríplex. Com isso, a condenação de julho de 2017 foi anulada.

Negando a princípio ser pré-candidato, o ex-presidente procurou antigos aliados, nomes que tinham se afastado do partido durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016 e novos parceiros, como Alckmin.

No segundo semestre de 2021, passou a rodar o país, promover encontros com lideranças sindicais, comunitárias e políticas e a fazer viagens internacionais, sendo recebido por chefes de Estado, como o presidente francês Emmanuel Macron.

O discurso só ficou mais forte na virada do ano, com o acordo com Alckmin e com o PSB já fechado, porém não divulgado, e com um consenso entre as lideranças de esquerda, incluindo PSOL, de que os partidos deveriam se reunir em bloco em torno do seu nome —aval estimulado pelas pesquisas eleitorais, que já o colocavam à frente de Bolsonaro desde junho de 2021.

Lucas Borges Teixeira
Do UOL, em São Paulo

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